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As pessoas em primeiro lugar

Se aprendemos algo com a pandemia, foi sobre entender a importância de cuidar – de nós mesmos e dos outros –, escreve Paolo Gallo, especialista em recursos humanos

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Há um raio de luz no fim do túnel. Enquanto escrevo este artigo, esperamos poder descongelar o mundo em que vivemos até março de 2020. Nós, naturalmente, estamos ansiosos para retornar à nossa vida. A normalidade, no entanto, se foi para sempre: estaremos vivendo em um novo contexto. Mas antes, é importante fazer uma pausa e refletir sobre uma pergunta muito simples: além de medidas sanitárias básicas e um milhão de outros fatos ou mitos sobre a Covid-19, o que aprendemos com essa pandemia?

Quando pensamos sobre o que faz uma vida ser boa e o que nos faz felizes, muitas pessoas responderiam: dinheiro e fama. A maioria também acredita que o caminho para chegar lá é muito trabalho e, principalmente para as gerações mais jovens, visibilidade nas redes sociais. Certo?

Entendendo a felicidade

O estudo mais longo já realizado sobre felicidade começou em Harvard em 1938 e está até hoje em andamento. Esta pesquisa selecionou 724 homens, alguns ainda vivos, e mediu em intervalos regulares ao longo de muitas décadas o grau de saúde e felicidade. Alguns deles tiveram vidas incríveis, enquanto outros acabaram com sérios vícios e problemas pessoais. O que torna essas pessoas saudáveis e felizes? Fama? Dinheiro? Muito mais simples que isso, a resposta é um bom relacionamento com outras pessoas, começando com seus parceiros e familiares. É saber que as pessoas estarão lá quando você precisar delas. É sobre conexões reais com pessoas reais, não o número de seguidores ou curtidas nas mídias sociais.

Então, o que está acontecendo desde o início da pandemia? Tivemos que quebrar a maioria das conexões. Não podíamos visitar nossas famílias e, mesmo quando podíamos, não devíamos nos abraçar ou ter qualquer contato físico.

Além desse mundo desconectado – ou congelado – de relacionamentos, começamos a ficar profundamente preocupados com nossos empregos. Como coach de executivos, testemunhei que, enquanto algumas pessoas estão sobrecarregadas com a enorme quantidade de trabalho sem limites – “dias cheios de chamadas de vídeos” –, outras estão preocupadas em perder seus empregos enquanto suas empresas e áreas lutam para sobreviver. É difícil dizer qual é a pior situação.

Foco no bem-estar

Por fim, como cidadãos, estamos profundamente preocupados: se Adam Smith tivesse nascido hoje, acho que ele trocaria o título de seu livro de The Wealth of Nations (A Riqueza das Nações) para The Health of Nations (A Saúde das Nações), pois medir a saúde de um cidadão parece ser mais um indicador de prosperidade do que apenas o PIB. Uma pesquisa recente da Harvard Business Review com quase 1.500 pessoas de 46 países revelou que a maioria de nós – 85% – tem dificuldades em manter o bem-estar geral e no local de trabalho. Curiosamente, a pesquisa foi apresentada como parte de uma série – de seis – que a HBR dedicou ao que chama de “Crise de Burnout”. Outro estudo, realizado pela Gallup, nos mostra que em termos de moral da equipe estamos agora no mesmo nível (baixo) que no meio da crise financeira de 2009.

Em meus seminários e workshops, sempre faço uma pergunta simples: qual palavra vem à mente quando você pensa em um grande líder? Peço aos participantes que pensem em um gerente real com quem trabalharam, não em um ícone lendário como, por exemplo, Mahatma Gandhi ou Nelson Mandela. Independentemente da composição do “público”, as pessoas sempre respondem citando qualidades humanas como confiança, autoconsciência, integridade, compaixão, escuta, apoio e empatia. Ninguém jamais respondeu citando resultados financeiros. Nem uma vez.

Como coach de executivos, tenho a sorte de trabalhar ao lado de pessoas incríveis, principalmente CEOs e executivos sêniores. Eles conhecem suas coisas muito bem, posso garantir. Mas o que eles aprenderam é que, além de demonstrar competência profissional e visão de negócios, eles também precisam motivar suas equipes, demonstrando que realmente se importam com eles. E isso é algo que nem sempre está no manual de treinamento de liderança.

Aprendendo o autocuidado

A pandemia e o sofrimento evidente que está acontecendo com a gente nos dá a chance de entender melhor a necessidade de demonstrar o autocuidado, o cuidado genuíno e a empatia pelos outros.

O que entendemos por autocuidado? É garantir que tenhamos nossa energia carregada: fisicamente, emocionalmente, espiritualmente e mentalmente, todos severamente esgotados nos últimos 15 meses. Um exemplo: você dirigiria depois de beber três taças de vinho? Claro que não, é ilegal e perigoso: três taças de vinho reduzem nossa capacidade mental em 35%. Você tomaria uma decisão importante depois de uma noite sem dormir? Você não deveria, mas frequentemente fazemos, mesmo que uma noite sem descanso reduza nossa capacidade cognitiva em 40%. Compare isso com a maneira como cuidamos de nossos celulares. Quantas vezes verificamos o nível da bateria? Ficamos preocupados quando vemos que nos restam apenas 10%? Ficamos. No entanto, demonstramos a mesma preocupação com nossa própria energia?

Um estudo muito interessante, compartilhado por Jordan B Peterson em seu livro 12 Rules for Life (12 Regras para a Vida), aponta que quando levamos nosso animal de estimação ao veterinário, 98% de nós seguem as instruções que o veterinário passa. Quando vamos ao médico por conta própria, apenas 40% das pessoas seguem as instruções e orientações recebidas. Então, nos preocupamos mais com nossos gatos e cães do que com a gente mesmo.

O autocuidado é, portanto, um bom julgamento e a base para um líder eficaz: aquele que é capaz não só de ser “eficiente”, mas também de demonstrar carinho e empatia.
Aprender empatia

Desde que a Inteligência Emocional de Daniel Goleman foi publicada em 1995, temos lido e pensado sobre empatia. Embora entendamos o termo agora, também precisamos internalizar os três componentes da empatia:

1) Cognitivo – empatia é entender completamente o que a outra pessoa sente.
2) Emocional – trata-se de sentir o que a outra pessoa sente ou pelo menos demonstrar e reconhecer seu sofrimento e sentimento predominante.
A maioria das pessoas consegue tudo isso. Mas a terceira parte é onde ficamos presos...
3) Ação – também precisamos fazer algo a respeito, caso contrário acabamos confirmando o provérbio das “lágrimas de crocodilo”.

De fato, precisamos considerar a Saúde das Nações, com organizações, comunidades e pessoas, como a base principal de sua riqueza “real”. Autocuidado, cuidar dos outros com empatia, institucionalizar o cuidado, são todos imperativos morais e o ponto de partida para todo bom líder. Eles também são o ponto de partida para a excelência empresarial. As pessoas só podem dar o seu melhor quando estão no seu melhor, física, emocional, mental e espiritualmente. Eles também precisam de um senso de propósito que seja significativo para eles, não apenas uma meta financeira que foi imposta por outra pessoa.

Como prosperar

Dave Ulrich, considerado o pai dos recursos humanos e da liderança moderna, escreveu: “Para superar esses tempos perigosos e descobrir oportunidades além da crise atual, cuide de si mesmo. Se você compartilhar o crédito em sucessos e envolver outras pessoas nas decisões, você cria uma organização baseada em equipe. Quando você traz seus valores pessoais para esta organização, ela se torna uma cultura onde as pessoas prosperam.”
 
Olhando para este período incrível de nossas vidas, precisamos refletir sobre as lições que aprendemos. Só podemos reiniciar e redefinir o sistema se começarmos com o autocuidado e o cuidado com os outros com empatia sincera, não se limitando ao “sentimento”, mas também traduzida em ações concretas.

Começa a partir de nós, aqui e agora: os planos de negócios e a recuperação econômica se seguirão. Cuidar: as pessoas em primeiro lugar.