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20 palavras para o novo mundo: Abraço

Uma série de palavras se infiltrou em nossa linguagem cotidiana este ano para descrever os novos tempos em que estamos vivendo. Pedimos a quatro grandes escritores – David Szalay, Rosie Millard, Paolo Gallo e Emma Dabiri – que escrevessem sobre algumas delas para nós. O texto de hoje é de Rosie Millard, apresentadora experiente, jornalista e autora. Ela foi correspondente de arte da BBC para adecade, âncora do The Sunday Times, colunista do The Independent e escreveu quatro livros. Ela foi presidente da Hull UK City of Culture em 2017, pela qual foi premiada com um OBE, e agora é presidente do conselho de administração da instituição de caridade BBC Children in Need. Ela escreveu sobre o significado de “Abraço".

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Nos tempos em que escrevo isso, a não ser com as pessoas que são mais próximas a você, o contato humano é proibido. Nós não podemos nos aproximar fisicamente de nossos semelhantes – sejam homens, mulheres ou crianças. Nós não podemos verdadeiramente encontrar nossos amigos e colegas. Durante o lockdown, a interação humana migrou para o reino digital. Nós podemos conversar cara a cara por meio de uma tela. Zoom, FaceTime, Microsoft Team: palavras estranhas que um dia foram de conhecimento apenas daqueles na casa dos vinte e poucos e que agora fazem parte da vida diária de todos nós.

Eu sei, porém, como uma apresentadora de rádio e TV por 30 anos, que a melhor maneira de chegar até alguém não é visualmente, mas oralmente. Quando você entrevista alguém no rádio, o resultado obtido é invariavelmente melhor do que na televisão. A TV oferece muita distração. A vaidade se coloca no meio do caminho. As pessoas insistem em fazer diferentes tomadas. Elas se preocupam caso tussam. Elas insistem em pentear seus cabelos. Elas enlouquecem por causa de suas roupas. No rádio você pode entrevistar alguém usando pijamas ou em roupas de academia: realmente não tem importância. Nestes dias em que o distanciamento social tem impedido abraços e nem sempre podemos sair das “bolhas” de nossas famílias, a melhor maneira de nos aproximar e ter um momento pessoal, íntimo e de compreensão com alguém não é por meio do Zoom. É por meio de uma um item de tecnologia antiga: o celular.

Um dia desses me pediram para conversar com uma mulher chamada Barbara, uma enfermeira que vive em Lancashire. Eu nunca havia me encontrado com ela, mas nós temos um amigo em comum. Este amigo sabe que, há dois anos, eu fui submetida a uma grande cirurgia para remover um tumor benigno mas grande do meu cérebro. Lidar com este diagnóstico e esperar pelas assustadoras seis horas de operação na qual o tumor seria removido foram os meses mais terrificantes e difíceis da minha vida. Então quando meu amigo descobriu que Barbara teve o mesmo diagnóstico, ele imediatamente me pediu para entrar em contato.

Eu enviei uma mensagem a ela, contei quem eu era e que poderia ajudar. Ela me ligou imediatamente. Nós conversamos por cerca de uma hora, durante a qual eu tentava responder da melhor forma todas as questões dela. Eu também dei a ela quatro sugestões de como enfrentar o fato de ter um tumor benigno mas grande, que são: 1. Não contar a ninguém, eles sempre vão chorar e achar que você está prestes a morrer. 2. Ter um pequeno círculo de cerca de cinco amigos para quem você pode ligar diariamente e que vão te acalmar quando a cirurgia estiver se aproximando. 3. Nunca, jamais faça uma pesquisa no Google sobre seus sintomas quando não conseguir dormir. 4. Correr. Correr ajuda a desfazer as rugas de preocupação em sua mente e, no melhor dos casos, em seu corpo. No ano passado, seis meses depois da minha bem sucedida cirurgia na qual o tumor foi removido, eu corri a London Marathon em menos de quatro horas.

Em minha ligação para Barbara eu contei a ela o que passou pela minha cabeça quando eu vi a linha de chegada à minha frente: a memória da minha vida inteira. “Você vai chegar lá”, eu disse a ela, “você vai passar por isso, você vai sobreviver”. Mesmo que estivéssemos as duas aos prantos a essa altura, eu podia perceber que ela sorria e eu sabia que ela estava pronta para pegar na minha mão e acreditar em mim, mesmo que ela estivesse tão assustada. Foi o mesmo que dar um abraço nela. Na verdade, foi melhor.