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Nürburgring em chamas

No primeiro dia de agosto de 1976, foram precisos apenas alguns minutos para decretar o fim do lendário circuito de Nurburgring na Fórmula 1® 

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É uma história que já foi contada umas mil vezes. Qualquer um com mais de 50 anos e que tem (ou tinha) paixão pela Fórmula 1® jamais será capaz de esquecer aquele domingo e aquelas chamas que foram tantas vezes imortalizadas, que estavam destinadas a mudar a história dos circuitos de corrida, de uma equipe, de um piloto e, de fato, da Fórmula 1® como um todo.

Na verdade, Nurburgring é mais que apenas um circuito. Ele é formado por cerca de 23 vertiginosos quilômetros de curvas e ziguezagues, nenhum deles exatamente igual ao outro, quase sempre subindo ou descendo, que passavam uma sensação claramente antiquada: diversas lombadas e remendos no asfalto para cobrir os buracos provocados pelas fortes geadas de inverno do noroeste da Alemanha. Na década de 1970, mesmo já sendo regra geral, em vez dos dispositivos de segurança, qualquer piloto que saísse da pista acabava indo parar entre as árvores da Floresta Eifel. “Se eu sair da pista aqui, se eu destruir o carro e ficar inconsciente, eles nunca vão me encontrar.” Isso passava pela cabeça de cada piloto que buscava a glória nas cristas e nas inúmeras curvas dessa lendária arena de gladiadores.

Niki Lauda também pensava assim. No entanto, quando chegou lá durante a temporada de 1975, seu segundo ano de Ferrari, ele se tornou o primeiro piloto a cravar um tempo de volta de Nordschleife de menos de sete minutos. “Nunca mais vou fazer isso de novo”, disse ele depois. “É um risco muito grande.” Naquele ano, seu assombroso tempo de pole position de 6m58,6s significava que o austríaco poderia tranquilamente assumir a liderança assim que começasse a corrida. Mas um simples furo de pneu, que não deveria ser um problema tão grande em circunstâncias normais, fez com que ele caísse de posição (embora tenha se recuperado até finalizar em terceiro). O principal problema é que os cerca de 20 quilômetros que faltavam da volta eram uma distância longa demais para se cobrir com um pneu murcho antes de chegar aos boxes. Essa ideia continuaria a atormentá-lo em outro contexto: e se uma ambulância tiver que cobrir uma distância assim, no caso de um acidente grave, para levar alguém às pressas para o hospital?

Quando chegou o final de julho de 1976, Lauda chegou a Nurburgring como o atual campeão mundial, o piloto a ser batido. Após dominar o início da temporada, de novo com a Ferrari, sua vantagem no campeonato parecia inalcançável. Só que ele ainda tinha alguns negócios inacabados com Nurburgring. Nunca vencera ali, mas não queria se deixar tragar para uma batalha pessoal que era contrária a toda a lógica. Dessa forma, tentou convencer seus colegas de que, mesmo sendo tão lendário, o circuito alemão era agora um anacronismo e simplesmente perigoso demais para se correr. Em uma assembleia de pilotos no inverno anterior, havia proposto que a Fórmula 1® não deveria correr em Nurburgring no verão, mas, em lugar disso, ir para Hockenheim, um circuito que era até mais rápido e que tristemente havia testemunhado a morte do grande Jim Clark, mas que era, apesar disso, considerado muito mais moderno e seguro que Nordschleife, principalmente se houvesse uma corrida com chuva. A proposta de Lauda, porém, não passou na votação. Entre os opositores mais veementes estava James Hunt. O carismático piloto da McLaren, dois anos mais jovem que Lauda, era o único a ainda guardar ambições de vencer Lauda no campeonato daquele ano. Como num roteiro de cinema, a pole position do Grande Prêmio da Alemanha de 1976 foi para o inglês. E no domingo, como se fosse uma maldição, a Floresta Eifel despertou ao som de chuva.

O que aconteceu em seguida é mais do que apenas uma história - é parte da história da Fórmula 1®. A corrida teve início em um tempo instável, de modo que logo foi preciso fazer uma parada para os pneus slick. Lauda voltou para a corrida entre os últimos, enquanto Hunt parecia imbatível na liderança. Mais tarde, muitas perguntas seriam feitas sobre as informações que Niki tinha a seu dispor, sobre o nível de frustração que talvez tenha levado um homem de uma lógica tão pragmática a assumir mais riscos do que necessário. Mas o fato é que, não muito depois, a Ferrari de número um perdeu o controle no mergulho em direção a Bergwerk e atingiu a barreira com força. O carro vermelho foi jogado de volta para o meio da pista e apanhado por outros competidores, partindo-se ao meio e pegando fogo. Preso pelos cintos, Lauda só conseguiu sair depois que outros pilotos vieram socorrê-lo, incluindo Arturo Merzario, da Itália: o homem cujo lugar na Ferrari Niki havia tirado, três anos antes, e que, mesmo assim, se atirou corajosamente nas chamas para soltar os cintos do austríaco e salvar a sua vida.

O que se seguiu foi o calvário pessoal de Lauda, seu inferno na terra. Os arquivos mostram as famosas cenas gravadas em que Lauda, em uma maca, observa, incrédulo, seu braço direito queimado. Ele pergunta se o seu rosto também está queimado. Naquele momento, ele não poderia saber que esse era o menor de seus problemas. A fumaça do incêndio, que ele inalara antes e durante o seu resgate, havia envenenado seus pulmões. Nos dias seguintes, ele ficaria entre a vida e a morte, recebendo duas vezes a extrema-unção, antes de começar uma recuperação que parecia quase impossível.

E, mesmo assim, a Fórmula 1® continuou normalmente. Hunt venceu o Grande Prêmio da Alemanha e isso deu o pontapé inicial a uma virada no campeonato que parecia tão improvável antes do acidente de Lauda. Lauda foi obrigado a não participar das duas corridas seguintes, na Áustria e na Holanda, mas, incrivelmente, estava de volta ao volante meras cinco semanas depois do acidente que por pouco não tirou a sua vida. 

Em 1977, Lauda frisou a sua genialidade ao vencer mais uma vez o título. Ele então trocou a Ferrari pela Brabham no ano seguinte, antes de, em seguida, abandonar a Fórmula 1® depois de se cansar de toda a rotina. Sua próxima aposta foi abrir uma empresa aérea, que foi mais tarde vendida para a Lufthansa. Por fim, Niki fez um retorno à Fórmula 1® para terminar como um tricampeão mundial no fim de 1984 (ironicamente, com a McLaren: o carro que era o principal protagonista de seus pesadelos durante os dias sombrios de 1976). Aquele título de 1976, que estivera praticamente no bolso de Lauda após seu início estelar de temporada, foi para James Hunt, é claro. Haveria, porém, uma série de consequências mais amplas do acidente de Lauda, que, como mencionado anteriormente, mudou a face do esporte como um todo.

Uma dessas consequências foi o encerramento da ilustre história de Nurburgring como circuito da Fórmula 1®. A pista continuou a receber corridas de resistência, é claro, com o piloto alemão Stefan Bellof cravando, em 1983, um incrível recorde de volta de 6m11,13s, com um Porsche 956. Porém, a essa altura o Grande Prêmio da Alemanha havia se mudado para Hockenheim, onde Niki Lauda venceu, em 1977, com a Ferrari, e onde o campeonato mundial deste ano receberá a 12ª corrida da temporada no domingo, 31 de julho.