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Mulheres motociclistas: histórias de liberdade construídas em duas rodas

Motociclista novata, profissional, competidora, de motoclube... as várias faces da mulher sobre duas rodas num universo em que elas dão um show!

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A relação entre mulheres e motos está cada vez menos distante. Afinal, a ideia de que moto não era coisa de mulher está ficando para trás; elas estão cada vez mais empoderadas indo em direção à liberdade.

Para mostrar como dominam também esse universo, conversamos com cinco motociclistas brasileiras que têm diferentes vivências com as motos. Elas contam um pouco da trajetória e como a moto é mais que um veículo, e sim uma companheira em busca das suas liberdades. Confira essas histórias e inspire-se também.

Motociclista do dia a dia - Van Martins

A jornalista Van­ Martins conquistou a habilitação na categoria A em 2022 e comprou sua moto em fevereiro de 2023. No começo, pilotava só em pequenos trajetos na sua cidade, Peruíbe (litoral sul de São Paulo). Porém, aos poucos, virou companheira para tudo, até mesmo em viagens mais longas. 

“Quando me mudei para Peruíbe, uma cidade pequena com limitações de transporte e carros por aplicativos mais caros, decidi me habilitar e comprar a moto”.

Aos poucos, adquiriu confiança nas duas rodas, pois executava todas as tarefas do dia a dia com a moto. Mais recentemente, com as limitações de transporte para a cidade de São Paulo, decidiu se arriscar e subir a serra com a sua scooter 125 cilindradas. Foi vista como louca por todos. Mas garante que nunca se viu assim, pois já estava confiante na condução, das normas do trânsito, da pista, entre outros fatores.

“Eu fiz o percurso com muita tranquilidade, respeitando os meus limites e da moto. Trafegar na Radial Leste, Bandeirantes, Marginal Tietê, Rodovia Presidente Dutra, em condições de chuva e trânsito, tudo isso foi muito mais aventureiro. Eu fiz isso já várias vezes. Vejo que minha relação com a moto é de confiança, autonomia, realização pessoal e, principalmente, liberdade em ir e vir.”

Van Martins

Motogirl - Ana Carolina dos Santos

Rodar vários quilômetros por dia em vários lugares diferentes já faz parte da rotina da motogirl Ana Carolina dos Santos. Ela é entregadora por aplicativo e compartilha suas aventuras nas redes sociais, pelo perfil @diario_de_uma_entregadora, inspirando outras mulheres que querem virar motogirl mas ainda lidam com o medo.

O começo da relação da Ana com a moto ocorreu na pandemia. Com o fechamento de seu negócio, ela viu na moto uma forma de se reinventar e passou a usá-la para gerar renda. “Eu precisava me manter. Como não tinha uma profissão, não poderia trabalhar para outros e ganhar um salário-mínimo. Eu precisava de mais! Foi aí que eu decidi pegar minha moto e ir para as ruas”.

Mas, além disso, a relação de Ana com a moto está ligada a outros fatores envolvidos em uma paixão pelas duas rodas: “Moto é amor, liberdade, agilidade! Sou uma pessoa um pouco ansiosa que quer fazer tudo rápido! Então, encontrei isso na moto, ainda mais em São Paulo com ônibus lotados e um trânsito intenso!”

Por fim, ela destaca que é importante falar sobre motogirl para enfatizar a independência feminina e encorajar outras mulheres a perderem o medo em relação à moto. “Mulher pode estar onde quiser, só que, ainda assim, são poucas as mulheres que enxergam isso! Então, talvez elas vendo alguém fazendo, tomem coragem e busquem também ganhar a vida em duas rodas”.

Ana Carolina dos Santos

Mototaxista - Isabelle Turini

A empreendedora Isabelle Turini também usa a moto como fonte de renda. Em 2020, ela fundou o Feminitaxi, o 1º mototáxi feminino da cidade de Assis, interior de São Paulo. Além de prestar serviços de mototáxi, a marca também é um grupo de indicação de outras mototaxistas da cidade.

Com a Feminitaxi, Isabelle criou um negócio que, além de renda, também cria oportunidades de trabalho para outras mulheres. E tudo isso com autonomia, já que todas recebem indicações e têm a própria agenda. Outro fator importante é a segurança, uma vez que a clientela é composta por mulheres.

Ela ainda destaca as vantagens em utilizar a moto como instrumento de trabalho, como o ótimo custo-benefício, já que o valor é mais atrativo para a cliente e o custo da manutenção também é mais baixo, se comparado com o carro. Outra vantagem é a conciliação com outras atividades, como a maternal. Neste ponto, ela destaca que tem três filhos e trabalhou até o último dia da gestação do último.

Por fim, Isabelle pontua a importância em falar sobre esse tema para motivar outras mulheres em uma profissão que ainda enfrenta muitas barreiras para elas. “O mototáxi foi por muito tempo monopolizado por homens. Aqui, em Assis, depois de mim, há muitas mulheres que trabalham com isso, mas é uma profissão que não é fácil. A gente tem que acreditar muito em si mesma porque, no trânsito, não dá para você duvidar de si."

Isabelle Turini

Motociclista de motoclube - Dionize Gottschild

Coragem, liberdade, apoio feminino e amor pelas duas rodas também são características comuns em Dionize Gottschild, fundadora do Furiosas, motoclube 100% feminino, criado em 2021. Ela também está se preparando para ser a primeira mulher a estar construindo um local para hospedagem a fim de atender as demandas de viagem de motociclistas, com o projeto @casadio.481.

Quando mais nova, Dionize já gostava de motos. Cresceu em Curitiba vendo seus irmãos sendo presenteados por motos pelo seu pai. Mas não recebeu o mesmo, pois o pai tinha medo. Mais tarde, ela se mudou para Brasília e tirou sua habilitação na categoria A.

Quando conseguiu comprar a primeira moto, foi transferida para São Paulo e acabou recuando, pois tinha muito medo do trânsito caótico da cidade. O medo deu lugar à coragem após o fim de um relacionamento complicado.

“A moto, hoje, é o meu estado mais puro de contato comigo mesma. É a certeza de que temos uma à outra, não importa o que aconteça”, relata Dionize. Foi nesse momento que a ideia do motoclube surgiu, por meio da rede de acolhimento que recebeu de outras mulheres.

“Após o término do relacionamento, encontrei apoio com outras mulheres e juntas nos fortalecemos. Elas literalmente me mostraram o caminho para seguir em frente. A ajuda foi fundamental para conseguir me reestruturar, então desejamos fazer isso adiante e estruturamos a Associação Furiosas Motoclube para fortalecer o grupo e levar o projeto cada vez mais longe”.

Ela explica que hoje o principal objetivo do Furiosas é encorajar outras mulheres a se resgatarem, a seguirem em frente. Além disso, o motoclube atua apoiando o motoclubismo e o motociclismo feminino, prestigiando eventos organizados por outras mulheres motociclistas, assim como contratando, sempre que possível, fornecedoras e artistas mulheres.

“O nosso maior desafio é mostrar para as mulheres que elas podem fazer o que quiserem. A insegurança está enraizada em muitas de nós. A maioria tem sonho de viajar, mas tem medo da violência. Querem pilotar motos mais potentes e têm medo de não serem boas o suficiente. Medo é uma palavra proibida entre as Furiosas, a gente tem receio. Mitigamos riscos, avaliamos cenários e seguimos em frente”, conclui Dionize.

Dionize Gottschild

Motociclista de Rally - Moara Sacilotti

Medo não faz parte do vocabulário de Moara Sacilotti. Mas, disciplina, superação e determinação, sim! Essa atleta das duas rodas se tornou a primeira mulher a ser campeã de uma das maiores provas de rally do mundo competindo entre homens! E, até o feito, ela disputou 22 vezes, sendo a primeira em 1998, quando tinha apenas 18 anos.

Moara relata que praticamente nasceu em cima de uma moto, já que seu pai, Gilberto, era piloto de motocross e sua mãe, Regina, andava de moto, além de gostar do esporte. Assim, a família, que ainda tem o irmão Ramon, respirava o universo das duas rodas, acompanhando o pai nas competições. Com apenas 7 anos, Moara já estava competindo no Motocross, após ganhar sua primeira moto, uma PW50, em 1987.

Patrocínio da Pirelli para ultrapassar preconceitos

Moara é, e sempre foi, muito respeitada pelos pilotos. Nas provas, a igualdade é prevalecida. “Os homens não facilitam para mim na prova! E isso é muito importante, pois não quero ser tratada como ‘café com leite'. Disputamos de igual para igual. Mas eles são muito queridos comigo quando tiramos os capacetes. Só agradeço aos desafios que meus concorrentes homens me impuseram, foi assim que me fortaleci”.

Mas, fora das provas, o preconceito sempre existiu. O primeiro desafio da atleta foi conseguir um patrocinador para disputar o seu primeiro rally, em 1998. E, nesse mesmo ano, a Pirelli fez toda a diferença na vida dela. “Eu tinha apenas 18 anos e ninguém acreditava que eu seria capaz de disputar uma prova tão longa e difícil. Fizeram apostas de quantos dias eu aguentaria no rally. Foi então que a Pirelli, que já me conhecia do Motocross, falou: ‘acreditamos em você'. Foi meu primeiro patrocinador! E, então, outras empresas também me apoiaram, acreditando na aposta da Pirelli! Foi incrível!”, recorda Moara.

O patrocínio da Pirelli se estendeu pelos 10 anos seguintes e foi retomada em 2021, quando a Pirelli voltou a patrocinar a atleta. Moara vê essa parceria como “fundamental” para as suas novas conquistas desde então. Ela comemora por até hoje só usar pneus Pirelli, pois dão mais segurança e melhor desempenho à sua moto.

Títulos e recordes que orgulham e inspiram

Moara cita outras conquistas que também são orgulho para ela. “Fui três vezes campeã brasileira de rally (algumas vezes vice), venci duas vezes o Rally RN1500, duas vezes o Baja Portalegre. E sou o único piloto brasileiro vice-campeão mundial de Rally (2013)”.

Com todo esse retrospecto positivo, Moara viu muita evolução na vida profissional, seja pelo lado favorável dos patrocinadores, seja pela relação com competidores.

“Profissionalmente, conquistei mais espaço e devo dizer que meus patrocinadores ficaram bem felizes! Os demais competidores continuam me tratando com o mesmo carinho de tantos anos de convivência, mas as vezes eles soltam frases como ‘você está em ótima fase'. É bom ouvir isso deles. Acho que estão me dando um pouco mais de confiança, que é muito bom, e me mantém motivada a treinar e competir com muita garra e determinação”.

Inspiração, incentivo e apoio a outras mulheres no esporte

Hoje, Moara está com 44 anos e no auge da carreira. A relação com a moto vai além das provas, pois além de competir, ela também é sócia no Caminhos das Serras - empresa de mototurismo que realiza passeios off-road pela Serra da Mantiqueira.

No papel de ser a inspiração para outras mulheres que desejam seguir carreira nas duas rodas, Moara incentiva: “Acredito que sonhar é bom, mas a vida acontece quando estamos acordados. Então, se quer muito alguma coisa, trabalhe duro para conquistá-la! Nada caiu do céu para mim, e não vejo outro caminho que não seja o da disciplina e dedicação. Claro que o apoio da família é até hoje fundamental para mim, sei que nem todas têm esse privilégio”.

E acrescenta com dicas para as iniciantes: “Comece em modalidades mais baratas e mais seguras, como enduro e motocross. Faça cursos de pilotagem, aprenda a sentir a moto, fazer alguns ajustes nela e se comunicar com o mecânico. Use equipamentos completos e pneus Pirelli - que sem sombra de dúvida, te darão mais segurança é melhor desempenho.

Por fim, ela se disponibiliza para dar apoio às demais mulheres: “Saibam que podem contar comigo! É só entrar em contato, estou sempre à disposição”.

Moara Sacilotti