entrevistas

Hans-Ulrich Obrist: entrevista como entrevistador

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit.

Home life people entrevistas Hans-Ulrich Obrist: entrevista como entrevistador

Lendário curador de artes e co-diretor da Galeria Serpentine em Londres, Obrist é o mais prolífico e obstinado entrevistador dos últimos trinta anos

Estou agendado para entrevistar Hans-Ulrich Obrist em uma noite no final de outubro, em um prédio com vista para o rio. Está uma noite agradável em Londres, com céu claro, mas a sala onde nos encontramos é estranha, escura e sinistra. Não tenho permissão para falar muito deste local: estas paredes guardam editores que estão trabalhando na pós-produção de um dos mais ambiciosos filmes já produzidos. Tive de prometer completo sigilo apenas para ficar nas proximidades dessa monstruosa e utópica obra-de-arte. Por mais estranho que seja a escolha desse local para uma entrevista, não chega a ser uma grande surpresa, considerando a figura de Hans-Ulrich Obrist. É exatamente o tipo de coisa com a qual se sabe que ele costuma se envolver em seu tempo livre, quando não está atuando no mundo da moda em caráter oficial.

Show more images

A bússola interna de Hans sempre o orientou na direção de tudo o que fosse extraordinário e incomum. Onde quer que houvesse algo empolgante acontecendo, lá estava ele: girando as engrenagens, aproximando habilidades e paisagens distantes. Ele gosta de ideias que façam ligações, que constroem novas pontes, seja sobre a água ou sobre a terra, ou que estejam magicamente suspensas no ar. Ideias que, combinadas entre si, dão origem a filosofias inteiramente novas, elevando-se através das camadas do conhecimento, como um sistema de roldanas. Em um mundo enormemente intrincado de conexões ínfimas e inescrutáveis, Hans-Ulrich Obrist porta uma  luz guia que nos ajuda a discernir entre o novo e o derivado.

A ‘maratona de entrevistas' anual na Serpentine acaba de chegar ao final. Foi uma das mais interessantes até hoje, sobre a questão da transformação. Muitas outras instituições seguiram o mesmo padrão, organizando longas sessões de conferências inspiradas por suas maratonas. Você acha que o formato está começando a ficar cansativo?
Acho que não. Certamente é importante tentar encontrar novos formatos, mas creio que a ideia de maratona ainda é relevante. É famosa a frase de Deleuze de que é importante encontrar a diferença na repetição. Hoje em dia organizamos maratonas em todo o mundo. Cada uma com suas próprias características e identidade específica, determinada pelo contexto e pelo local onde se dá, e graças à pesquisa realizada localmente. É um formato não estático, como a própria entrevista: trata-se de um sistema complexo. Ainda é estimulante neste momento. Deixaremos de organizar maratonas quando não forem mais estimulantes.

Depois de lançar o projeto 89Plus, você abriu uma conta no Instagram que abriga um ‘post-it museum'. O que há por trás das exposições de arte online?
Assim como os dois projetos que você mencionou, que estão em constante evolução, gostaria de associar práticas de curadoria online às minhas experimentações iniciais com a revista digital e-flux. Cada vez mais as maratonas fazem uso da tecnologia, e ocorrem em todas as plataformas tecnológicas. A Internet produz realidade por meio de fórmulas. Com uma frequência crescente, obviamente, minhas exposições se dão na Internet graças ao tipo de infraestrutura digital da qual o 89Plus é um exemplo.

Sobre a questão das instituições de arte no século 21: o que se pode fazer para mantê-las envolventes e estimulantes agora e em um futuro próximo?
Em um futuro próximo as instituições de arte mais interessantes serão as que conseguirem firmar uma posição contra as atitudes homogeneizantes da globalização, construindo o discurso em torno da cultura e dos talentos locais. Todos deveriam ler a obra de meu grande amigo Eduard Glissànt, que infelizmente se foi cedo demais. Ele desenvolveu a noção de mondialité: uma forma de resistir à homogeneização da era globalizada ao mesmo tempo permanecendo aberto ao diálogo com o mundo inteiro.

Outros convidados vão e vêm enquanto conversamos. Isso cai bem a Hans-Ulrich Obrist, cuja vida é como um salão deslumbrante no qual ele é o centro das conversas principais. Logo somos interrompidos. Hans acabara de voltar de Paris, onde esteve na feira de arte FIAC, um dos principais eventos marcados na agenda de qualquer curador.

Ao retomarmos nossa entrevista, conversamos bastante sobre muitas coisas diferentes: livros, a ideia de se tornar uma “máquina de livros”, a tensão interdisciplinar como um imperativo moral, Vasari, e muito, muito mais. Não é fácil colocar tudo em um artigo curto. Mas como estou escrevendo isso na sequência dos tiroteios em Paris no Bataclan em 13 de novembro de 2015, acho dificílimo me esquecer do tópico da interrupção. Não foi uma típica conversa entre amigos ou colegas do mundo da arte, se atualizando sobre suas viagens, conhecidos e projetos em comum. Não: a guerra foi o assunto; Paris foi o assunto. Conversamos sobre o destino da Europa, a guerra iminente e suas consequências.
Lembro-me claramente do que Hans disse: eu o conheço bem, e sei que ele usa diferentes vozes para combinar com os diferentes registros em sua fala. Dentre todas elas, desta vez optou por sua voz séria. “Haverá uma guerra na Europa, não se pode evitar”. Falou gravemente, nada como suas usuais entonações rápidas, revelando uma inquietação profunda e irracional (embora eu o tenha sempre considerado como uma mente sensível e racional). Rapidamente atribuí sua declaração ao contexto: apenas outra das hipérboles de Hans, pensei. “Uma guerra, em Paris: uma guerra de verdade”. Às vezes a melhor forma de alcançar a verdade em uma conversa é perder o rumo da pergunta inicial. E Hans estava falando a verdade.